Será que a vigilância tecnológica pode ser vista como uma faca de dois gumes? Neste artigo, compartilhamos o pensamento de Christian Fuchs em "Como podemos definir Vigilância?".
Inicialmente ela pode ser lida como um "cuidado categórico", que tenta trazer algo de neutralidade mas que acaba caindo na positivação. Desse modo, sendo ela descrita como algo universal e característico de todas as sociedades, fundamental para a integração, reunindo informações sobre uma população com o objetivo de possibilitar a organização e controle geral, serviria para proteção, administração, cumprimento de regras, documentação e de estratégias.
Contudo, esse discurso não se sustenta, seguindo ainda o trabalho de Fuchs, é possível identificar o outro lado. A vigilância, então, ganha a conotação negativa com a "desconfiança categórica", "sedução categórica" e "exposição categórica", sendo a reunião de dados para exercer controle disciplinar com base na ameaça.
Aa consequências para essa negativação é o controle social excessivo, perda de privacidade, desigualdades de poder, falta de transparência e responsabilidade, bem como o risco de manipulação e descriminação.
Foucault também contribui com essa visão pessimista sobre sistema de vigilância ao trazer o Panóptico, um dispositivo arquitetônico projetado para permitir a vigilância centralizada de um grande número de pessoas. Assim, o panoptismo é capaz de reformar a moral, moldar e regular o comportamento humano, estando presente em todas as instituições como escolas, prisões, e hospitais.
Esses conceitos se relacionam profundamente com o episódio "Hated in the Nation" de Black Mirror, onde vemos uma narrativa que reflete as consequências de uma sociedade sob vigilância extrema. Esse é o sexto episódio da terceira temporada de Black Mirror, em que a trama se passa em um futuro próximo, onde abelhas robóticas, criadas para polinização, são hackeadas e transformadas em um instrumento de vigilância e punição. Esses drones, capazes de monitorar tudo, são utilizados para identificar e punir indivíduos que se tornaram alvos de ódio nas redes sociais.
Quando pessoas começam a ser assassinadas após serem marcadas com a hashtag #DeathTo, a investigação se inicia. Os drones são programados para perseguir e atacar aqueles marcados pela hashtag mais mencionada nas redes sociais. A trama se desenrola em uma investigação complexa, onde uma detetive e uma especialista em abelhas robóticas se unem para desvendar o mistério por trás desses assassinatos em massa.
O episódio aborda temas como o impacto das redes sociais, a cultura do ódio online e os perigos da vigilância em massa. Ele oferece uma reflexão sobre os limites da tecnologia, os efeitos psicológicos da exposição online e as consequências sociais de um sistema de vigilância onipresente. A história leva o espectador a questionar as implicações éticas e sociais do uso da tecnologia e da vigilância como instrumentos de controle e punição.
No episódio, abelhas robóticas são usadas como instrumentos de vigilância e punição. Esses pequenos drones são capazes de monitorar tudo e todos, criando uma sensação de constante observação. Essa vigilância se torna onipresente, afetando o comportamento das pessoas e até mesmo influenciando suas escolhas.
Essa dinâmica reflete diretamente o panoptismo: a ideia de que a simples presença da vigilância, mesmo que não haja uma observação constante, molda o comportamento das pessoas por conta da sensação de estarem sendo observadas o tempo todo. A pressão psicológica gerada por essa vigilância resulta em mudanças de comportamento, medo de punição e, em última instância, em uma sociedade que se auto-regula por conta da constante ameaça da observação.
O episódio nos convida a refletir sobre os limites da vigilância e os perigos de um sistema de controle tão extremo. Ele levanta questões sobre privacidade, ética na utilização da tecnologia para vigilância e os impactos psicológicos e sociais dessa constante observação. Ao explorar esses temas, "Hated in the Nation" nos alerta para os riscos de uma sociedade onde a vigilância excessiva pode moldar não apenas comportamentos, mas também valores e liberdades individuais.
Comments