E se a tecnologia fosse quem tomasse a decisão na escolha dos seus parceiros e a duração desses seus relacionamentos? Nesta realidade, a resposta é uma só: confie no sistema.
Imagine-se em uma vida onde algoritmos de inteligência artificial selecionam perfis de pessoas compatíveis com os nossos, excluindo aqueles que não possuem as chances de ser o nosso “par ideal”. Poupando-nos, dessa forma, de tomarmos decisões individuais. Já pensou?
O episódio 4 da quarta temporada da série antológica Black Mirror, intitulado “Hang the DJ” (enforquem o DJ), aborda este universo, mas se você achou este lugar familiar, te garantimos que ele existe e o vivemos.
A música “Panic” da banda The Smiths é referenciada no título do episódio, devido aos versos “incendeie a discoteca e enforque esse bendito DJ, porque a música que ele toca o tempo todo não diz nada sobre a minha vida.”
Com o intuito de retratar a sociedade na rede de aplicativos de relacionamento (como Tinder, Badoo, Grindr, entre outros) que combinam perfis em seus bancos de dados, “Hang the DJ” apresenta dois personagens principais: Amy e Frank.
Ao iniciar o episódio, nos deparamos com Amy e Frank em seu primeiro encontro, no qual é desenvolvida uma relação amorosa e compatível, porém a inteligência responsável por combinar a dupla os informa que ficarão juntos por apenas 12 horas. Assim, apesar do laço criado entre os dois, eles escolhem acreditar no sistema e se separam conforme o tempo estimado.
Após este evento, a dupla segue caminhos diferentes e parceiros diferentes, acreditando fielmente que os algoritmos estão tomando as melhores decisões para as suas vidas. Amy e Frank marcaram outros encontros e muitos foram insatisfatórios, mas o sistema revelou que a durabilidade dessas novas conexões seriam maiores do que o encontro que tiveram juntos, enfatizando que os dois eram incompatíveis.
Devido o fácil acesso à informação do tempo estimado de cada relação, a experiência desses dates é completamente afetada, dificultando uma maior entrega dos usuários e impossibilitando que desfrutem completamente do momento atual em que viviam com essas pessoas.
Esta crença na promessa de uma objetividade algorítmica, para o autor Tarleton Gillespie (A Relevância dos Algoritmos), revela a “maneira como o caráter técnico do algoritmo é situada como garantia de imparcialidade; e como essa alegação é mantida diante de controvérsias” (GILLESPIE, 2014). Ou seja, mesmo que a dupla de protagonistas tenha se atraído e desejado continuar, eles são guiados a acreditar que não seria a escolha certa.
Através dos padrões de inclusão de novos perfis para conhecerem, os personagens passam a perceber uma série de relacionamentos vazios e líquidos no desenvolvimento do episódio, pois são bombardeados por encontros repetitivos carentes de emoção e afeto. Estas repetições impostas pela tecnologia representa uma área da inteligência artificial conhecida como machine learning (aprendizado de máquina), que em seu nível mais aprofundado, o deep learning (aprendizado profundo), busca entender e imitar a forma como os humanos aprendem, através do uso de dados e algoritmos. Parece loucura, né? Mas é real e está presente em diversos dispositivos que utilizamos.
Segundo Dora Kaufman e Lucia Santaella (O papel dos algoritmos de inteligência artificial nas redes sociais), um dos caminhos para evitar, ou diminuir, as previsões distópicas “é a tomada de consciência da sociedade sobre os desafios envolvidos nos benefícios oriundos da IA, e como enfrentá-los.” (KAUFMAN; SANTAELLA, 2020). Os algoritmos da inteligência artificial podem realizar milhares de cálculos, mas continuam suscetíveis a falhas.
Podemos afirmar que a inteligência artificial contribui, e muito, em várias áreas do conhecimento e principalmente à saúde. As novas tecnologias são capazes de solucionar problemas, doenças e responder a diversas perguntas, mas não podem ser utilizadas sem um consumo consciente. O pensamento crítico se faz necessário para promover a mudança e impedir uma realidade totalitária.
Dessa forma, nos últimos minutos do episódio, Amy e Frank decidem burlar o sistema e permanecer juntos, fugindo do seu universo artificial e nos revelando, através deste comportamento rebelde, que são um casal de alta compatibilidade.
As nossas histórias, valores e subjetividades não cabem um cálculo matemático, pois estas ainda são subjetividades impossíveis de serem traduzidas pelas máquinas. O que sentimos não pode ser previsto, adivinhado, pois a vida é e deve ser imprevisível.
Se você não precisasse mais escolher quem amar, seria amor?
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