top of page
Buscar
Foto do escritorMarco de Sá

O anjo da guarda

A última postagem d’A Selfie de Narciso relacionada à vigilância trouxe à pauta o episódio “Hated In The Nation” da terceira temporada de Black Mirror. O panoptismo dos dias atuais está refletido nas redes, onde, nos tornamos dados, constantemente monitorados (ou, ao menos, achamos que somos!). Mas… Já nos perguntamos quem exerce esse controle? Quem possui domínio sobre tudo que somos?


Black Mirror - Temporada 4 - "Arkangel"

A verdade é que nossos gostos, nossa imagem, nossos hábitos de consumo e principais informações que se transformam em dados são utilizados por diversas empresas a fim de nos oferecer melhores recomendações personalizadas para a nossa experiência online. Isso inclui desde anúncios “avulsos” que nos são mostrados quando estamos rolando o “feed” até as principais notícias que lemos pela manhã.


E quem faz o trabalho de selecionar e organizar o que nos interessa ver são os algoritmos. Criados pelos humanos, os algoritmos desempenham diversas funções a partir de determinados comandos previamente escolhidos. Quando possuem inteligência artificial, aprimoram cada vez mais esse comando, se aproximando do que seria a execução perfeita da sua função escolhida. Atualmente, a maioria das empresas, principalmente as de grande porte, utilizam algoritmos não só para personalizar a experiência do usuário, mas também para colher informações que irão ajudá-las a entender melhor o comportamento do consumidor e o alcance de suas ações, por exemplo.


Entretanto, antes dos algoritmos, a informação que chegava até nós e o conhecimento adquirido ficava por conta de livros, jornais ou outros suportes produzidos por pessoas ou empresas que possuíam credibilidade suficiente para exercer a função de curadoria do que deveria ser considerado relevante na esfera pública. O texto “O ALGORITMO CURADOR - O papel do comunicador num cenário de curadoria algorítmica de informação” de Elizabeth Saad Corrêa e Daniela Bertocchi, traz uma importante reflexão a respeito da curadoria de informação em ambientes digitais. Segundo as autoras, hoje em dia, “as informações encontram-se espalhadas desordenadamente; são produzidas por amadores, plagiadores e usuários que consideram um bom conteúdo aquele que possui o maior número de polegares indicando “curtir”” (SAAD e BERTOCCHI, 2012).


O texto propõe que o comunicador da era digital entenda como o algoritmo funciona e explore “a re-mediação, agregação de audiências, mineração de dados, inteligência distribuída, agenciamentos e adição de valor às informações” (SAAD e BERTOCCHI, 2012) enquanto formas de “parceria” entre comunicador e algoritmo.


O segundo episódio da quarta temporada de Black Mirror, denominado “Arkangel” pode ilustrar, de forma extrema, diga-se de passagem, a importância de uma curadoria confiável para conteúdos e notícias relevantes, além de trazer uma reflexão acerca da autonomia do indivíduo e direito à privacidade. No universo criado por Jodie Foster, Marie é uma mãe super-protetora que recorre à empresa Arkangel, em busca de um produto peculiar: um chip de monitoramento e controle parental, que permite que pais saibam a localização exata dos filhos, tenham acesso aos sinais vitais e também enxerguem por seus olhos através de um tablet.


Tablet de controle parental desenvolvido pela empresa Arkangel.

Marie implanta o chip em sua filha, Sara, que cresce sem ter total noção dos acontecimentos a sua volta. Quando exposta a cenas de violência, raiva, e até mesmo o próprio sangue, Sara enxerga tudo borrado por pixels. A menina cresce com o filtro parental controlando toda sua experiência. Além disso, Marie sempre sabe onde Sara está graças ao GPS incluído no chip. Quando Sara descobre que sua mãe a monitora, elas combinam de não utilizar mais o software.


Dedo de Sara sangrando. A garota não consegue enxergar o próprio sangue.

Anos passam e então, Sara mente ao sair à noite para encontrar um rapaz. Preocupada, Marie recorre ao tablet de monitoramento e volta a manipular a vida da filha em segredo. Dessa vez, ela não ativa filtros de visão, mas observa e age de acordo com o aquilo que vê.


A grande questão é que Marie faz o papel da curadoria de todas as experiências de Sara, tentando proteger a filha. Porém, ela acaba criando um universo completamente manipulado de acordo com os seus anseios enquanto mãe. Na concepção de Marie, ela sabe o que é melhor para Sara. Se trouxermos essa analogia para nossas vidas, temos algoritmos que selecionam o que é melhor para nós. Obviamente, não possuem esse poder de controle extremo, porém, tal qual um anjo da guarda, são capazes de mudar nossa percepção de mundo e nos moldar a partir dessa curadoria que ele acredita ser melhor para nós.


O problema é que muitas informações, notícias e até mesmo anúncios só chegarão até nós caso nosso algoritmo permita. E isso pode significar uma limitação de conteúdos que podem também ser interessantes em detrimento de outros que talvez não sejam tanto assim. Contudo, não podemos ser ingênuos de acreditar que os algoritmos funcionam por si só. Pessoas e empresas com alto engajamento e poder aquisitivo conseguem se manter mais relevantes independente se seu conteúdo é de grande interesse público ou não. E se não for, passa a ser, graças à divulgação em massa.


Saad e Bertocchi entendem que o algoritmo se baseia nas experiências passadas do usuário enquanto que a curadoria humana, pura e simples, é mais livre para olhar para o futuro (SAAD e BERTOCCHI, 2012). É aí que está a grande importância do profissional da comunicação. O jornalismo de dados torna-se curadoria e as autoras propõem que o jornalista atue “como alimentador do modelo e, especialmente, como refinador ao longo da vida útil do algoritmo” (SAAD e BERTOCCHI, 2012). Esse é um papel fundamental, não somente para que o algoritmo seja aprimorado, mas também para que a experiência de todos os usuários passe por um processo mais personalizado com uma entrega também mais ampla do que pode ser considerado relevante.


Se o ritmo exponencial de crescimento tecnológico continuar, é provável que cada vez mais os algoritmos façam parte da nossa rotina, até mesmo nas pequenas coisas. Com o mundo conectado, o debate entre ética, curadoria e uso de dados se faz presente ao se pensar no funcionamento de cidades inteligentes com um alto fluxo de informações em circulação.


9 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page